sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Vida e a morte: uma criança e os processos do morrer

Não se preocupem, não fiquei mórbida, falo da morte agora pra falar da vida, na sua plenitude!

...e a gente explicava pro Lucano: "O vovô tá dodói, brinca com ele no sofá" e lá ia ele, saltitante, se aconchegar no colo do vovô. Em poucos minutos ele já saía do sofá e chamava o vovô para fora...Mas o vovô doía...

Lucano, seu vovô sempre leu muito, muito mesmo, livros de histórias, de lugares, de culinária, lia livros ao mesmo tempo, vários, e a cada semana comprava mais um. Sempre interessado em aprender, em saber mais. Meu pai sempre foi um cara distinto, educadíssimo, refinado, culto. Ele sabia sobre tudo! E o que ele não sabia, ouvia atento dos outros! Eu via nele olhos curiosos, um sonhador! Eu sabia que ele tinha uma alma louca para viver viajando por aí...por isso ele lia tanto, por tantos lugares ele passou, navegando em letras de todas as culturas! Seu padrão inconsciente, que precisava provar pro próprio pai (que ele mesmo criou) que era alguém responsável, sempre calou mais forte!

Por se cobrar ser sempre melhor, sentia-se sempre culpado. Ele corria muito, não se permitia relaxar, íamos ao shopping, mas quase saíamos correndo pra voltar: ele precisava voltar pra onde sentia-se seguro, trabalhando! Quando o Lucano nasceu, ele passou a se permitir sair mais cedo do trabalho, ficava um pouco conosco e logo voltava. Tinha uma inquietação, uma pressa, uma cobrança interna. Mas aprendi com ele, nesses tropeços, que não temos garantia de nada, controle de nada (nem das próprias células), que a vida é toda impermanente e a única forma de manter a tranquilidade é reforçando nosso interior!

Dos livros que lemos juntos nesse mês, caimos no capítulo sobre o câncer...ele "não entendeu", achou denso, pediu que eu lesse e conversamos depois sobre...Como eu gostava de conversar com ele sobre as coisas, qualquer coisa, a gente conversava e era muito bom!! O câncer é a manifestação física do "destruir-se por dentro" ou "consumir-se", de repente as células, por algum motivo (que une estresse, genética, efeitos biológicos de hábitos alimentares, emocionais e  físicos) não reconhecem as demais células como sendo suas irmãs e começam a atacá-las, multiplicando-se desenfreadamente e prejudicando o bom funcionamento do organismo que habitam...É claro que é difícil admitir que criamos isso, que todos nossos sistemas de crenças e escolhas nos levaram a isso!

Meu pai passou a ficar muito tempo no sofá, sentado sobre sua vida toda, não trabalhava mais...Lucano sentava ao lado dele e dizia: "O vovô tá só um pouquinho dodói?" É filho, foi só um pouquinho de tempo que ele ficou só um pouquinho dodói...Logo ele passou a ficar muito dodói, ficava muito tempo na cama. Lucano saracoteando pela sala, puxando de mim uma vida que eu via enfraquecer do meu lado! Nasci no mesmo dia e  mês que meu pai, enquanto ele passava pelo processo de destruição e reconstrução interna, eu via meu parceiro de vida se aprofundando em si, na vida, na morte. E meu parceirinho Lucano, mostrava que a vida pulsa, que o riso vem da simplicidade, que eu precisava parar e estar com ele, ao mesmo tempo em que meu pai parou pra ficar consigo!

Começamos as sessões de radioterapia (sim, começamos, pois o câncer é da família inteira!). Cada vez mais dores. Um mês depois dessa descoberta, minha avó materna morre! Lucano não a via nos últimos tempos, ela estava há dois meses internada e ele não podia entrar no hospital...Então, quando eu chorei a morte da Bisa, ele disse:

"Não chora, mamãe!"
E como se soubesse, engatou: "Cadê a Bisa?".

Lucano, a bisa morreu...
Vi em seus olhos um ponto de interrogação.



... assim como o dia acaba e vem a noite e depois acaba e vem o dia, como a plantinha morre, ela morreu... Fico tentando imaginar como soou isso pra ele, mas não acredito que a gente vai pro céu, e precisava ser honesta com ele dentro da minha concepção de morte, contar que os seres morrem, que a gente chora de saudade, e que a vida segue...Ele tem lidado bem com isso (da Bisa).