sábado, 26 de janeiro de 2013

Vida e a morte - o fim e o começo!

Uma semana após a morte da Bisa, meu pai internou no hospital. Inicialmente ele não queria que o Lucano fosse visitá-lo, achava o ambiente hospitalar muito pesado pra ele...porém, uma semana depois, o Lucano não aguentava mais de saudade, perguntando sempre onde estava o vovô, então, peguei-o na escola e fui ao hospital com ele. Lembro da cara do meu pai quando viu o Lucano entrando no quarto, um misto de alegria e preocupação do netinho vê-lo na cama.

O Lucano entrou com sua alegria, encheu o quarto, subia no pé da cama e chamava: "Vô!!!!!!!" e o vô Julio ria da sapequice dele. Então, passamos a ir todos os dias com o Luc visitar o vovô, às vezes deixava de ir com ele um ou dois dias, mas ele queria ver o vovô. Ele abria um livro e deitava na cama com o vô, fazia que estava dormindo com ele, abraçadinho na cama, desenhava pro vovô. Colocamos os desenhos do Lucano na parede em frente a cama do meu pai, que cada dia conseguia levantar menos.

Comecei a ler muito sobre câncer e sobre esse processo de tratamento, da importância de envolvermos a pessoa que está em tratamento em uma esfera de muito amor, familiar, de conversar com ela sobre o que está passando, de ouvi-la, de fazer com ela coisas que a façam sentir bem...Levei as coisinhas que meu pai tinha no criado mudo de casa, pro lado da cama dele, porta retrato do Lucano, os livros que meu pai estava lendo, e passei a incentivá-lo e fazer com ele as meditações que ele tinha costume de fazer. Como ele quase não deu uma palavra durante a internação, voltando-se para dentro de si, nesses momentos de meditação estivemos intimamente ligados e partilhando do mesmo ambiente de cura espiritual por que ele vinha passando. Sim, o corpo estava perdendo sua vitalidade, mas eu via claramente que meu pai engrandecia em energia de alma na mesma proporção que o corpo perdia força.

Os médicos avisaram que meu pai teria alguns dias, passamos a levar o Lucano por pequenos tempos, mas todos os dias! Meu pai estava mais distante, mas voltava de seu refúgio quando o Lucano ia. Em nenhum momento o Lucano pareceu impressionado com acessos e medicações. A gente vinha explicando a ele que o vovô estava ali tomando remédios porque estava dodói. Então, em nossas visitas, o que eu observava nele era a alegria em estar com o vovô, e o sorriso do meu pai vendo o Lu. Isso era o que mais importava!

Dia 21/11 meu pai foi entubado e fomos visitá-lo à noite. Estava toda a família lá, o Lucano entrou pela porta e não quis olhar meu pai, que estava consciente mas distante. Ele se agarrou na minha mãe e ficou de olhos fechados o tempo todo. Quando fui embora, deitei no peito do meu pai, dei um beijo e disse: "Te amo!"  e ele respondeu: "Também!". "Amanhã a gente se vê!". Na manhã seguinte minha mãe ligou cedinho...

Era dia de aula, o Lucano seguiu para a escola enquanto eu e meu irmão acompanhávamos minha mãe no desenrolar das coisas. No final do dia, fomos todos para casa da minha mãe, a irmã do meu pai e minha prima vieram de São Paulo e jantamos juntos. Na sala de jantar o Lucano viu todos sentados, pediu colo pra minha mãe, olhou para todos os lados procurando e disse pra vovó: "Cadê o vovô?". Minha mãe me perguntou o que dizer, eu disse que ela falasse o que acredita, e foi então que ele passou a olhar para as estrelas todos os dias procurando o vovô.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Vida e a morte: uma criança e os processos do morrer

Não se preocupem, não fiquei mórbida, falo da morte agora pra falar da vida, na sua plenitude!

...e a gente explicava pro Lucano: "O vovô tá dodói, brinca com ele no sofá" e lá ia ele, saltitante, se aconchegar no colo do vovô. Em poucos minutos ele já saía do sofá e chamava o vovô para fora...Mas o vovô doía...

Lucano, seu vovô sempre leu muito, muito mesmo, livros de histórias, de lugares, de culinária, lia livros ao mesmo tempo, vários, e a cada semana comprava mais um. Sempre interessado em aprender, em saber mais. Meu pai sempre foi um cara distinto, educadíssimo, refinado, culto. Ele sabia sobre tudo! E o que ele não sabia, ouvia atento dos outros! Eu via nele olhos curiosos, um sonhador! Eu sabia que ele tinha uma alma louca para viver viajando por aí...por isso ele lia tanto, por tantos lugares ele passou, navegando em letras de todas as culturas! Seu padrão inconsciente, que precisava provar pro próprio pai (que ele mesmo criou) que era alguém responsável, sempre calou mais forte!

Por se cobrar ser sempre melhor, sentia-se sempre culpado. Ele corria muito, não se permitia relaxar, íamos ao shopping, mas quase saíamos correndo pra voltar: ele precisava voltar pra onde sentia-se seguro, trabalhando! Quando o Lucano nasceu, ele passou a se permitir sair mais cedo do trabalho, ficava um pouco conosco e logo voltava. Tinha uma inquietação, uma pressa, uma cobrança interna. Mas aprendi com ele, nesses tropeços, que não temos garantia de nada, controle de nada (nem das próprias células), que a vida é toda impermanente e a única forma de manter a tranquilidade é reforçando nosso interior!

Dos livros que lemos juntos nesse mês, caimos no capítulo sobre o câncer...ele "não entendeu", achou denso, pediu que eu lesse e conversamos depois sobre...Como eu gostava de conversar com ele sobre as coisas, qualquer coisa, a gente conversava e era muito bom!! O câncer é a manifestação física do "destruir-se por dentro" ou "consumir-se", de repente as células, por algum motivo (que une estresse, genética, efeitos biológicos de hábitos alimentares, emocionais e  físicos) não reconhecem as demais células como sendo suas irmãs e começam a atacá-las, multiplicando-se desenfreadamente e prejudicando o bom funcionamento do organismo que habitam...É claro que é difícil admitir que criamos isso, que todos nossos sistemas de crenças e escolhas nos levaram a isso!

Meu pai passou a ficar muito tempo no sofá, sentado sobre sua vida toda, não trabalhava mais...Lucano sentava ao lado dele e dizia: "O vovô tá só um pouquinho dodói?" É filho, foi só um pouquinho de tempo que ele ficou só um pouquinho dodói...Logo ele passou a ficar muito dodói, ficava muito tempo na cama. Lucano saracoteando pela sala, puxando de mim uma vida que eu via enfraquecer do meu lado! Nasci no mesmo dia e  mês que meu pai, enquanto ele passava pelo processo de destruição e reconstrução interna, eu via meu parceiro de vida se aprofundando em si, na vida, na morte. E meu parceirinho Lucano, mostrava que a vida pulsa, que o riso vem da simplicidade, que eu precisava parar e estar com ele, ao mesmo tempo em que meu pai parou pra ficar consigo!

Começamos as sessões de radioterapia (sim, começamos, pois o câncer é da família inteira!). Cada vez mais dores. Um mês depois dessa descoberta, minha avó materna morre! Lucano não a via nos últimos tempos, ela estava há dois meses internada e ele não podia entrar no hospital...Então, quando eu chorei a morte da Bisa, ele disse:

"Não chora, mamãe!"
E como se soubesse, engatou: "Cadê a Bisa?".

Lucano, a bisa morreu...
Vi em seus olhos um ponto de interrogação.



... assim como o dia acaba e vem a noite e depois acaba e vem o dia, como a plantinha morre, ela morreu... Fico tentando imaginar como soou isso pra ele, mas não acredito que a gente vai pro céu, e precisava ser honesta com ele dentro da minha concepção de morte, contar que os seres morrem, que a gente chora de saudade, e que a vida segue...Ele tem lidado bem com isso (da Bisa).

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Entre a Vida e a Morte...

Desde a última postagem, um mundo de coisas aconteceu por dentro e por fora de nós...

Logo depois do evento da Laura Gutman, no dia 15 de setembro, meu pai descobriu um tumor (no pulmão, que fez metástase nos ossos e depois seguiu...).











Não, não tem nada de errado com a edição deste texto...um espaço em branco acontece dentro da gente depois dessa notícia...os sentimentos se embaralham todos: contato com a morte, com as forças e fraquezas humanas nossas e dos outros, com nossa fé (ou falta dela)...vamos tentando juntar os cacos das coisas todas: o que fizemos, o que não fizemos, o que ainda queremos fazer, as verdades e as mentiras da vida, nossas escolhas todas. Dá muita vontade de chorar, e também muita vontade de viver, de tocar em frente e de "fazer tudo direitinho pra ter um resultado legal".

Primeiro vem a negação. Meu pai ouviu o diagnóstico e assentiu com a cabeça....Nós quatro lá, juntos, ouvindo a sentença: "Aqueles pontinhos no pulmão são um tumor, vamos investigar sua natureza para decidir sobre o tratamento...Também vamos ver essas dores nos ossos, para ver se há relação...Uma psicóloga da instituição pode ajudá-los..." 








Silêncio! A gente olha pro pai, sentado na poltrona do hospital, com suas dores dilacerantes, querendo desvendar o que se passa através do seu olhar... e meu pai solta, no final da conversa: "Tratamento? Mas é um câncer?". Meu pai é o grande provedor da família toda, trabalhou a vida inteira para ver-nos com tudo que precisávamos (ou o que ele achava que precisávamos), garantidos de saúde, educação e valores. E para além disso tudo, é uma presença silenciosa e tímida, mas forte, corajosa, cheia de decisão, que mantinha o leme (moral, emocional, financeiro, estrutural) da nossa família e que sempre esteve disposto a aprender com os percalços da vida, conosco e nossas adolescências, a ultrapassar seus limites e ir em frente!

Mas porque estou escrevendo tudo isso, num blog sobre maternidade? Porque no meio disso tudo, tem o Lucano: serelepe, cheio de vida, agarrado no meu pai, perguntando sobre as coisas e vivendo-as conosco, na mesma intensidade do alto de seus dois anos de vivacidade!

Foram 5 dias de internação, um batalhão de exames e remédios para conter uma dor que só aumentava! Meu pai ansioso para sair do hospital, querendo se agarrar na vida, usando da sua racionalidade para mudar tudo o que precisava ser mudado desde o começo de tudo...Comprou uma pilha de livros e ganhou um outro (que segue hoje na minha cabeceira): "Câncer tem Cura" do Frei Romano Zago. Diligentemente, como sempre foi, passou a tomar o elixir de babosa, ligou pro Frei e, conversando com ele, reavivou sua fé. Foi na nutricionista e mudou radicalmente sua alimentação no mesmo dia, passou a comprar alimentos orgânicos e já não tinha mais vontade de cozinhar...

...Justo ele, nosso CHEF internacional, que nos proporcionou os mais saborosos almoços e jantas de toda nossa vida, que avisava sobre a proximidade da refeição com seus aromas inigualáveis pela casa, enquanto preparava-os. Que se alegrava intensamente de ouvir-nos dizer: "Que delícia!!!!!!!" E que até esperava por essa recompensa, depois das primeiras garfadas! Essa era uma de suas mais simples e verdadeiras felicidades: alimentar nossa alma, nossos sentidos, e ver nos olhos de quem provava seus banquetes, a delícia de viver seu paladar!

Se antes meditava todo final de tarde e participava de estudos espíritas, passou a meditar a maior parte do tempo: quando não era meditação formal, eu via nele uma postura (interna) meditativa...O que será que se passava no seu interior? Silêncio. Era o tempo dele, de se recompor, de se reencontrar, de decidir por ele, sem pensar nos outros...

...E o Lucano querendo que ele viesse na carona de seu carro! Mas o vovô não podia mais sentar no carrinho do Lucano, sentia dores terríveis nos quadris! Então ele sentava no sofá quando o Lucano queria o colo do vovô...Assim, o peso leve do Lucano não doía mais no osso e no coração! Significativo: A expressão "dói no osso" encaixa perfeitamente nesse quebra cabeça. O câncer dói. Dói no osso, literalmente e figurativamente. Ele dói na vida!

Seguirei contando a conta gotas, porque Lucano precisa de mim agora, e porque seguimos- eu, ele, e toda a família- elaborando juntos, no pulsar da vida do Lucano (e da nossa)!